A disseminação da cultura natalina que valoriza o Papai Noel estaria tornando-o o folclórico personagem mais famoso que Jesus Cristo, afirmam especialistas.
O psicólogo Sérgio Kodato, professor da Universidade de São Paulo, acredita que o Papai Noel já é sinônimo de Natal na lembrança das pessoas, que já não associam a data ao aniversário de Jesus.
“Os discípulos de Jesus Cristo pisaram feio na bola, se envolveram em escândalos, administraram a igreja com gula, cobiça e luxúria, perderam fiéis. Enquanto papa Francisco não vinha, o esperto Noel já ancorado na fama do milagreiro São Nicolau, se associou a um refrigerante como seu garoto propaganda, tomou essa forma vermelha e branca, rechonchuda, surfando na onda desse consumismo desenfreado e sua felicidade paradoxal. Quando ele aparece, nos remete imediatamente àquele ‘tempo em que éramos felizes, sabíamos e achávamos que era para sempre’”, explica Kodato.
O padre Gilberto Kásper lamenta que o ícone do consumismo tenha ganho tanta importância no imaginário das pessoas: “Hoje o consumismo substituiu a cultura do encontro e da presença das pessoas em família [...] Atualmente, não sentimos mais a espiritualidade natalina. São raros os lares que ainda mantêm essa aura, com almoços ou reuniões comprometidas na fé”, lamentou.
Para o rabino Alexandre Leonel, as motivações consumistas provocaram mutações até nas origens do Papai Noel, tornando-o mais atraente às massas.
Com um “olhar de fora” sobre a questão, o rabino apontou para alguns detalhes históricos na questão: “Sobre isso, parece não haver dúvidas. E o Papai Noel festejado no Brasil não pode ser comparado com Santa Claus, um bispo da igreja católica, admirado pelos europeus. Me parece que em décadas passadas, os brasileiros comemoravam a data com outro viés, armando presépios, participando de ritos cristãos, como a missa do Galo e reunindo a família. Hoje, impera um estilo mais comercial, com trocas de presentes. Mas, como rabino, não tenho o mínimo direito de me intrometer na religiosidade dos brasileiros (embora tenha nascido no Brasil). Seria o mesmo de querer impor ao Brasil, o ritmo do Carnaval de Veneza, com suas máscaras de papel machê e fantasias abafadas”.
Para Júlio Chiavenato, jornalista que participou do levantamento feito pelo Jornal A Cidade, não dá para definir “se Papai Noel é mais famoso que Jesus Cristo. Mas não há dúvida que Noel é muito mais querido pelas crianças”.
O “complexo de vira-lata” que Nelson Rodrigues usava para se referir à ideia do brasileiro de que o que vem do exterior é bom também foi usada por Chiavenato para explicar o sucesso do Papai Noel entre os brasileiros: “No Brasil sempre se associou o que é estrangeiro ao que é bom, superior. Além do mais, para a imaginação infantil, a fantasia do velho gordo é apelativa. Por outro lado, a massiva propaganda comercial quase obriga as crianças a adorarem o velho esquisito, mais apropriado para a Disneylândia do que para as festividades do cristianismo”, ressaltou.
O Papai Noel nos moldes como se conhece hoje é uma criação publicitária, encomendada pela Coca-Cola para suas campanhas de Natal. Até então, o personagem Papai Noel era amplamente associado a um santo católico pelos europeus, e usava roupas verdes. Como no folclore dos Estados Unidos o verde é a cor do Grinch, uma figura natalina rancorosa, a empresa de refrigerantes passou a veicular anúncios do Santa Claus – nome usado pelos norte-americanos para o Papai Noel – vestido de vermelho, e assim, associá-lo às cores de sua marca.
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